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CONSCIÊNCIA TRANCAFIADA

A capacidade de resiliência do cérebro continua surpreendendo até os maiores entusiastas da neuroplasticidade.



Em seu livro O Cérebro Que Se Transforma, o psiquiatra canadense Norman Doidge relata os mais importantes experimentos científicos que comprovam a neuroplasticidade e conta histórias fascinantes de pessoas que se beneficiaram das surpreendentes capacidades do cérebro. Terminada a leitura, tive vontade de escrever ao autor agradecendo por ter nos dado um conhecimento que, com certeza, muda completamente a visão que construímos sobre nossos limites.


Então descobri que Doidge já havia recebido um agradecimento que superou qualquer outra forma de mostrar o valor de seu trabalho como divulgador da plasticidade cerebral. O livro do psiquiatra deu à australiana Jane Gapp a força de que precisava para acreditar que sua filha Sarah, que havia recentemente sofrido um derrame no tronco encefálico, poderia recuperar seus movimentos.

Os bons terapeutas hoje têm consciência da possibilidade de recuperação, com muita persistência, da maioria das perdas cognitivas e motoras decorrentes de um derrame. No entanto, casos como o de Sarah não deixam à família nenhuma esperança de mínima recuperação, pois atingem a área que faz a ligação entre a medula espinhal e o cérebro, impossibilitando o paciente de qualquer movimento, com exceção dos olhos.


Esse estado vegetativo se contrapõe com as capacidades intelectuais da vítima, que ficam intactas. Totalmente conscientes, ficam presas em si mesmo, condição que leva o nome de Síndrome do Enclausuramento ou Locked In – bem apresentada no livro e filme O Escafandro e a Borboleta.

Sem poder engolir ou se comunicar, 90% das pessoas que enfrentam essa terrível condição acabam morrendo dentro de quatro meses. Calada, a consciência busca na morte a única forma de se libertar.

Quando a mãe de Sarah, aproveitando a participação do psiquiatra em um evento literário na Austrália, encontrou-se pela primeira vez com Doidge, seu objetivo era saber se ele acreditava que a menina, que havia recém sofrido o derrame, aos 21 anos, ganharia novamente os movimentos. Nem mesmo ele pôde lhe dar esperanças. Afinal, até onde sabia, não havia registros de recuperação dessa síndrome. Mas na edição seguinte do evento, lá estava Jane novamente. Dessa vez, trazendo mais um caso surpreendente para Doidge contar em um próximo livro (afinal, suas histórias haviam sido as grandes motivadoras daquela conquista). Foi acompanhada da filha, parcialmente recuperada e já planejando voltar aos estudos de Direito.


A recuperação de Sarah não foi por sorte. Ou talvez tenha sido: sorte de ter uma mãe que acreditou nela e, por instinto, criou todo o tipo de estímulo possível para tirá-la do auto-enclausuramento. Entre seis e oito horas por dia, durante meses, Jane se dedicou à conquista desse “milagre”, seja esfregando na pele na menina todo tipo de textura, num exercício que ela própria desenvolveu, seja contratando cantores para concertos particulares. O mais impressionante é que, paralelamente a essa dedicação, Jane lutou contra um câncer de mama, tendo que passar por todos os tipos de terapia.


Ao pesquisar mais sobre esse caso, descobri que não era o único. Em um próximo post relatarei mais um caso recente de superação que mostra que a capacidade de transformação e resiliência do nosso cérebro está muito além dos limites que, por tanto tempo, a ciência nos impôs.


Michele Müller é jornalista especialista em Neurociências. Nos últimos anos vem se dedicando ao estudo da saúde mental e ciências cognitivas. Colabora para jornais e revistas especializadas e é autora do blog http://neurocienciasesaude.blogspot.com.br (Psicóloga)

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