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APRENDER DEVE SER DIVERTIDO


Crianças felizes e seguras aprendem melhor. Para isso, a quantidade de conteúdo não pode ter prioridade sobre a forma como ele é repassado.

A descoberta de que a estrutura cerebral sofre alterações ao longo da vida como resposta ao ambiente, aos nossos pensamentos e às nossas ações vem causando grande impacto na educação. Mais do que “o que se aprende”, entra em discussão a questão de “como se aprende”, tendo como base a capacidade do cérebro de se reorganizar de acordo com os estímulos recebidos. Assim é possível aplicar no ensino o conhecimento de como funciona a mente do aluno em todas as etapas de seu desenvolvimento.


A maioria das crianças passa pela fase pré-escolar com seu ritmo, maturidade e forma como responde aos estímulos respeitados. Algumas escolas mantêm esses princípios ao longo do ensino fundamental e poucas os levam para o ensino médio. Quando isso não acontece, geralmente o cenário muda. As crianças então precisam se adaptar à quantidade de conteúdo estipulada pela escola e à forma como é ministrado, sob a pena de serem retidas. As diferenças passam a ser muitas vezes desconsideradas e até despercebidas pelos professores. Ensinar passa a ser sinônimo de apresentar as informações e aprender, de memorizar. Escolas disputam a quantidade de conteúdo trabalhado e alunos decoram páginas e páginas tendo como principal objetivo a nota na prova.


Muitos educadores desconsideram o fato de que a maior parte dessas informações fica na memória de curto prazo das crianças, de onde logo são descartadas. E não precisa ser assim. Para isso, aprender deve deixar de ser obrigação e tornar-se algo prazeroso, o que é perfeitamente possível se as escolas levarem em consideração que a quantidade de conteúdo que repassam não pode ter prioridade sobre a forma como é repassado.


Se tomarem como base o conhecimento sobre como o cérebro assimila e armazena as informações, os educadores certamente irão levar em consideração fatores como as emoções, as expectativas, o ambiente e o nível de estresse e ansiedade da criança.


Estudos mostram que, sob o efeito do cortisol, o hormônio do estresse, a memória e o aprendizado ficam prejudicados. Como a função primordial do cérebro é a sobrevivência, numa mente sob pressão ou ameaça, o foco da atenção é direcionado para a fonte de preocupação e a região do hipocampo, responsável pela memória, tem a atividade reduzida.


Também se sabe que o cérebro – mais especificamente o lobo frontal – está em constante busca por propósito e que, portanto, descarta as informações que não lhe fazem sentido, que não lhe chamam atenção como algo interessante e significativo. Para dar sentido a um conteúdo é preciso trazê-lo o mais próximo possível para a realidade da criança ou do adolescente, permitindo que a mente faça associações que ajudem no processo de consolidação da memória.


Segundo David Souza, no livro Differenciation and The Brain “a probabilidade de o cérebro reter informação está diretamente ligada à presença de sentido e significado. (…) Se quisermos que os alunos encontrem propósito, temos que nos certificar que o conteúdo traga conexões com as experiências deles, e não com as nossas”.


Ao contrário do cortisol, a dopamina ativa a atenção e a região da memória, o que faz esse neurotransmissor ter um papel fundamental no aprendizado. Ele é liberado cada vez que temos a satisfação de ganhar, de compreender e de vivenciar algo novo. O cérebro adora dopamina. Por isso ele precisa lembrar-se da situação que ativou o chamado sistema de recompensa, o que explica a ação dessa substância na memória e no aprendizado.


Os criadores de jogos eletrônicos parecem conhecer muito bem como funciona a dopamina e mantêm seu público interessado apresentando superações graduais de níveis, pontos, moedas e outros ganhos. Os pais de crianças que não largam dos videogames sabem o quanto essas estratégias funcionam. O mesmo sistema de recompensa pode ser ativado também na sala de aula, se a lição envolver jogos, brincadeiras e estímulos no lugar de pressão e ansiedade.


Não nos falta acesso a conteúdo. Pelo contrário: qualquer criança recém-alfabetizada já sabe buscar resposta a qualquer pergunta no google. Por isso, mais que nunca precisamos garantir que nossos filhos aprendam a aprender, relacionando a descoberta ao prazer, para então fazer o melhor proveito das inúmeras informações disponíveis. 


Quando aprender é divertido, quando o ambiente é seguro e acolhedor, quando cada esforço – e não apenas a nota – é valorizado, a escola está cumprindo o seu papel mais importante: de desenvolver o prazer pelo conhecimento. Isso não se esquece depois da prova e não acaba com o fim da vida escolar.


Michele Müller é jornalista especialista em Neurociências. Nos últimos anos vem dedicando-se ao estudo da saúde mental e ciências cognitivas. Colabora para jornais, revistas especializadas e é autora do blog http://neurocienciasesaude.blogspot.com.br.

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